O Clube dos Prazeres Proibidos
ALTAIR NOBRE E ELIANE BRUM
  Há mais coisas entre a Ponta do Gasômetro e o laçador do que a vão filosofia dos porto-alegrenses admite. Numa pacata ruazinha da Capital, num prédio sem letreiros, duplas bem-casadas pagam para viver fantasias que se tornaram populares no auge da decadência do lmpério Romano. Dois repórteres de Zero Hora passaram uma noite no local chamado de Sofazão, travestidos como um casal de voyeurs. 0 proprietário da casa não autoriza a divulgação do endereço. Os nomes, para garantir o sigilo, são fictícios. A reportagem a seguir revela o que também acontece na noite nem tanto provinciana de Porto Alegre.
   Alguém aparece e arranca a parte de cima das garotas. Assim despidas elas passeiam pelo salão, roçando-se nos homens e mulheres da platéia. "Há alguém ali no canto que esta querendo olhar com os olhinhos, os dedinhos e os beicinhos", provoca Peter. Um homem barbudo, aparentando ter mais de 50 anos, chama a moça e esquadrinha meticulosamente com as mãos e a boca. A esposa, ao lado, só olha e ri. O Segundo espetáculo da noite é uma bruxa com pouco mais do que o chapéu pontudo e uma capa sobre o corpo. Ela dá gargalhadas enquanto assombra e avança sobre a intimidade dos corpos da platéia. A atração seguinte é a "Branca de Neve", uma negra que só tem de branco o creme sobre as nádegas. Homens e mulheres vão para o meio do salão e limpam a tinta com toalhas fornecidas por Peter – ou com a própria língua – até não sobrar nenhum resquício nem de branca nem de neve minutos mais tarde aparece Tatiana, a mesma negra, vestida apenas com um espartilho vermelho.

            Tatiana se junta a um casal que esta dançando e improvisa movimentos lentos e rítmicos. Deita a mulher sobre uma mesinha, beijando-a e penetrando-a . Conjunto de saia e casaquinho amarfanhado, blusa branca parcialmente desabotoada, a mulher se afasta, demonstrando estar encabulada. Tatiana então arranca três homens de suas esposas e os deixa nus. Um deles é deitado sobre a mesa. Aparenta ter pouco mais de 30 anos e é um tanto desajeitado. Tatiana faz sexo oral e depois senta sobre ele. O garçom entra , indo a uma mesa menos de dois metros distante. Seus olhos desprezam a cena. Ele está mais preocupado em entregar a bandeja onde descansa um imparcial filé com fritas para uma casal literalmente esfomeado que acabou de chegar. A cópula sobre a mesa encerra os shows entre moças contratadas e casais da clientela. Depois de o homem sair cambaleante rumo a esposa, o espetáculo é todo dos fregueses. A maioria das mulheres usa sapato de salto alto e veste saias justas com bluzas e blazers, que vão sendo tirados aos poucos.
            Os homens usam calça, camisa social e casaco. Alguns arriscam uma gravata. A maioria está na faixa entre os 40 e os 50 anos. Parecem pertencer àquele gênero de pessoas que tem um casamento convencional, situação financeira estável e filhos razoavelmente crescidos e cujo lazer supostamente não vai muito alem de um jantar em restaurante no Sábado à noite. A princípio reina um clima de baile de paróquia, com os casais se balançando lentamente ao som de hits românticos.
            Depois um concurso do casal mais sensual ao som de "Je t'aime mon amour " inaugura as mãos sobre cada palmo dos corpos, bocas no lado avesso dos decotes. Em pouco tempo., recatadas esposas de segunda a sexta se encontram muito lampeiras de calcinha e sutiã.
            Homens com a barriguinha característica de quem passa mais tempo livre lavando o carro ou brincando com o cachorro do que em acrobacias sexuais são galãs ensaiando passos de dança de cueca e carpim.
            Até a dança da vassoura é promovida, estimulando a troca de pares. O cabo da vassoura se solta das cerdas o tempo todo e precisa ser sempre rearrumado. A glória, visivelmente, e deslizar as mãos sobre o corpo da mulher alheia. Um colchão é trazido para o meio da pista. Os casais mais tímidos se limitam a olhar, ensaiando o voyeurismo de maneira um tanto nervosa. A noite termina sobre os colchões, onde tudo é permitido.
            Naquele lugar, naquele momento, Porto Alegre lembra a Roma de Calígula.

"Realizei Minha Fantasia de ver Minha Mulher Transando com Outra"
Marcos, 43 anos, e Joice, 42 anos, fazem bodas de prata no próximo ano. Eles são comerciários, tem quatro filhos, o mais novo com sete e o mais velho com 19. Vivem numa cidade do interior do Estado e há dois anos vão à Capital no mínimo uma vez por mês para participar do Sofazão. A seguir, o depoimento de Marcos, que tomou a iniciativa de freqüentar o local: "Nós estávamos naquela fase da vida em que e preciso algum tipo de novidade. Sempre nos demos bem na cama, mas já estava ficando monótono. Eu tinha passado mais de 20 anos com ela e nunca tinha realizado a fantasia de vê-la, transando com outra mulher. Fui falando com a Joice devagarinho, mas ela não queria saber. Ai levei ela no Sofazão, dizendo que era apenas um lugar para dançar. Ela ficou olhando, encabulada. Quando percebeu o que era, começou a chorar e disse que eu não gostava dela. Comecei então a dançar com ela ao som daquela musica do filme Nove Semanas e Meia de Amor. Primeiro fui levantando a saia, depois tirei a parte de cima. Ai nós paramos. Então o pessoal começou a gritar: 'Continua, continua'. Transamos ali, na frente de todo o mundo. E ela passou a gostar. Eu gosto de me exibir. Mas o melhor é vê-la com outra mulher".
Anônimos se transformam em artista de sexo explicito
Peter, o idealizador do Sofazão, gosta de dizer que na sua casa há uma única regra: "Todo mundo tem o direito de assediar e de ser assediado". Para quem não sucumbir, o "não" é permitido e deve ser respeitado.
                 Drogas são proibidas. Bebedeiras não são estimuladas. Ciúme é inaceitável. A idéia mais luminosa de sua vida, segundo Peter, foi descobrir há cerca de um ano que os casais que freqüentavam primeiro o seu restaurante, depois a sua pista de dança, gostavam mesmo é de ser artistas do sexo. "Shows de sexo explicito já estão ultrapassados", afirma. "As pessoas gostam é de fazer o espetáculo." Graças a descoberta desta espécie de terra prometida do prazer sexual, Peter está conseguindo pagar as dividas e já sonha em construir um ambiente luxuoso. O mestre de cerimônias do Sofazão divide a freguesia em exibicionistas e voyeurs. "A maior fantasia dos homens que vêm aqui é ver sua mulher transando com outra mulher", conta.
                 "Depois, eles se dividem entre os homens que gostam de transar com a mulher do próximo com o próximo olhando, e aqueles que gostam de assistir a sua mulher transando com outro homem. Peter afirma que pelo menos 80% da clientela é casada de papel passado e se situa na faixa dos 20 aos 55 anos. Metade é de Porto Alegre, 30% do Vale do Sinos e 20% do Interior. Numa maratona profissional, a maioria e composta por profissionais liberais. A cada noite, pelo menos 70% são habitués e o restante são novatos ainda tímidos, em fase de iniciação. Em dois anos no metier, ele descobriu que as mulheres são sexualmente mais ativas que os homens. As loiras lideram o time das fogosas.
                 As sextas e sábados o Sofazão funciona apenas para casais. Nas quartas, a vez e dos solitários e solitárias. As tardes de quinta-feira são dedicadas aos que buscam a casa sem confessar à suas mulheres ou maridos. Nos dias vagos, o salão se permite um momento de inocência: é alugado para festas infantis.